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Trovadorismo

Contexto histórico e social

     O Trovadorismo foi a primeira manifestação literária em língua portuguesa. Essa fase teve iníco com a "Cantiga da Ribeiinha", de Paio Soares de Taveirós em 1189.

     Neste período, ou seja, na Idade Média, o teocentrismo dominava a sociedade e  Deus era o centro  de todas as coisas e a justificativa de todos os acontecimentos: bons ou ruins, portanto a religiosidade foi um aspecto marcante da cultura medieval. A vida do povo estava voltada para os valores espirituais e a salvação da alma. Naquele tempo eram frequentes as procissões e as Cruzadas, as chamadas "guerras santas", que eram movimentos militares de caráter cristão, cujo objetivo era colocar a Terra Santa (nome pelo qual os cristãos denominavam a Palestina) e a cidade de Jerusalém sob a soberania dos cristãos. 

     Outro acontecimento marcante da era medieval foi a peste negra ( peste bulbônica) que assolou a Europa durante o século XIV e dizimou mais ou menos um terço da população europeia.

     O  feudalismo foi  um modo de organização social e econômico baseado na relação de servidão. Neste sietema,o senhor feudal   possuía poderes totais sobre seus servos e vassalos. O senhor cedia terras a um vassalo e fazia com ele o seguinte  acordo: O vassalo receberia um lote de terra e proteção do senhor feudal ( chamado de suzerano), em troca teria que produzir e repassar parte dessa produção ao seu suzerano, além disso pagaria impostos e deveria jurar lealdade ao seu senhor,ou seja, caso houvesse uma batalha, o vassalo teria que apresentar seus préstimos militares.

     Além disso, nesta época a sociedade era dividida em três estamentos: a nobreza ( o rei e nobres), o clero( igreja) e a plebe ( servos e camponeses livres), e, segundo a Igreja, cada um deles deveria cumprir um papel ordenado por Deus. Os nobres deveriam lutar, o clero  deveria orar e a plebe deveria trabalhar. 

                                              

         

     

Literatura Medieval

      A literatura  medieval foi composta de escritos religiosos bem como de obras seculares. Na prosa, a manifestação de maior importância foram as Novelas de cavalaria.  Também conhecidas como Romance de cavalaria , foi umgênero  literário escrito em capítulos. Tiveram grande êxito e popularidade na França, Inglaterra, Espanha, Itália e Portugal.

      As novelas de cavalaria mais conhecidas são as que retrataramm a busca pelo Santo Graal na Idade Média, assim como as lendas do Rei Arthur.

                                                Característica das novelas de cavalaria:

      # Relatavam, em grande parte, os atos de coragem e aventuras de cavaleiros medievais;

      # Apresentavam um amor idealizado do cavaleiro pela dama que amava (amor cortês). Este amor , quase sempre, era impossíve. As histórias costumavam terminar de forma trágica, sem o final feliz.

     # Foram  marcadas fortemente pela tradição oral.

     # Os acontecimentos tinham mais importância do que os personagens.

     # Alguns temas  eram ligados às batalhas entre cristãos e muçulmanos durante as Cruzadas Medievais.

     # Apresentação de códigos de conduta próprios dos cavaleiros medievais.

     # Provação da honra, lealdade e coragem do cavaleiro em várias situações como, por exemplo, batalhas, aventuras, torneios e lutas contra monstros imaginários.

     

                                              Alguns exemplos de novelas de cavalaria:

                                              

                                                     # O Rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda

                                                     #  Amadis de Gaula

                                                     #  Las sergas de Esplandián

                                                     #  Palmerín de Oliva

                                                     #  Primaleón

                                                     #  Floriseo  

       

Trovadorismo

      Em Portugal, o Trovadorismo desenvolveu-se  por volta do século XII,entrando em declínio no século XIV.

O marco inicial  do Trovadorismo na península ibéricafoi a Cantiga da Ribeirinha, em 1198 ou 1189.

     As cantigas eram escritas  a mão por nobres, chamados de trovadores. Mais tarde foram compiladas  em cancioneiros ( livros com as obras).Sabe-se da existência de apenas três Cancioneiros: “Cancioneiro da Ajuda”, “Cancioneiro da Biblioteca”, e “Cancioneiro da Vaticana”

     Os maiores trovadores na lírica galego-portuguesa são: Dom Dinis, Dom Duarte, Paio Soares de Taveirós, Aires Nunes, João Garcia de Guilhade, e Meendinho. Além da figura do trovador também havia os jograis ou menestréis, artista que não era de origem nobre e cantava e reproduzia as poesias dos trovadores, 

     Essa produção de poesias medieval portuguesa pode ser agrupada em dois gêneros. São eles:

                                  # Gênero lírico
                                  #Gênero satírico

                                                                                        O gênero lírico

     

     No gênero lírico, o amor é a temática constante. Nas cantigas de amor o homem  ( eu lírico masculino) falava sobre sofrimento ( coita) , pois amava e não era correspondido. A mulher era descrita como superior e inalcançável ( por quase sempre ser casada) e era retratada com muito respeito ( amor cortês). Esse homem queria servir à  sua amada como servia ao seu senhor feudal ( relação de vassalagem). Nessas cantigas, o trovador tinha o cuidado de nao revelar o nome da amada em respeito à sua posição social e ao fato de ela ser casada

( trata-se da mesura). Nas cantigas de amigo o eu lírico é feminino, embora seja de autoria masculina. Nessas cantigas, a temática eram as mulheres que sentiam saudade dos seus amados, que partiram por causa da guerra ( cruzadas) ou em viagens.O eu lírico confidenciava  sua saudade à sua mãe, à uma amiga ou aos elementos da natureza, sempre presentes nesse tipo de lírica. A relação amorosa retratada era entre camponeses, o amor é real e possível.Quanto a estrutura, apresenta paralelismo e refrão.

                                                                                      

                                                                                      O gênero satírico

     Nas cantigas satíricas, o eu lírico faz uma crítica (sátira) com o intuito de denunciar o ridicularizar os costumes e algumas pessoas da época. Essas cantigas se dividiam em : cantigas de escárnio e maldizer. Nas cantigas de escárnio  a crítica era indireta, ou seja, não era revelado explicitamente o alvo satirizado. As cantigas eram usadas fazer uma crítica a alguém, usando palavras de duplo sentido, ou seja, fazendo uso de ambiguidades, trocadilhos, jogos semânticos e ironia. Já nas cantigas de maldizer, a crítica era direta,isto é, o alvo satirizado era explicitamente citado. Era comum a ocorrência de palavras chulas, palavrões e agressões verbais à pessoa que está sendo criticada.

 


 

     

Exemplos:

                                                                           Líricas:

     Cantiga de amor:

Vejamos a Cantiga da Ribeirinha de Paio Soares de Taveirós: 

No mundo nom m’ei parella
mentre me por como me vay,
ca ja moiro por vos e ay!
Mia señor, branca e vermella,
queredes que vus retraya
quando vus eu vi en saya.
Mao dia me levantey,
que vus enton nom vi fea!
E, mia señor, des aquella 
i me foy a mi muy mal, ai!
E vus, filla de don Pay
Moniz, e ben vos semella
d’aver eu por vos guarvaya,
pois eu, mia señor, d’alfaya
nunca de vos ouve nen ey
valia d’ũa correa.Não existe no mundo alguém como eu
enquanto eu viver,
eu cá sofro de amor por vós,
minha senhora, branca e vermelha,
quereis que vos retrate (nos versos)
quando eu a entrevi sem manto, em trajes íntimos.
Mau dia em que me levantei
e que não a achei feia
e, minha senhora, desde aquele dia
eu passei a sofrer, ai!
E vós, filha de Don
Moniz e sabeis que
eu não sou nobre.
Pois eu, minha senhora,
nunca recebi nem receberei da senhora
nenhuma prova de amor.

( In Linguagem em Movimento - v. 1. TORRALVO, Izete Fragata; MINCHILLO, Carlos Cortez. São Paulo: FTD, 2010, p. 59)

Percebemos o amor platônico, a paixão do eu lírico por uma nobre e a constatação de que nunca terá seu amor correspondido pelo

fato de não ser nobre. Como no trecho:" E vós, filha de Don Moniz e sabeis que eu não sou nobre". Outro aspecto percebido na cantiga é o sofrimento ( a coita) ao longo de todo texto, como por exemplo: “Mao dia me levantey, que vus enton nom vi fea”, ou seja,  ele amaldiçoa o dia em que a viu, tão bela e apaixonou-se.

Cantiga de amigo:

Vejamos a cantiga de Martin Codax  " Ondas do mar de Vigo"

Ondas do mar de Vigo,

se vistes meu amigo!

E ai Deus, se verrá cedo!

 

Ondas do mar levado,

se vistes meu amado!

E ai Deus, se verrá cedo!

 

Se vistes meu amigo,

o por que eu sospiro!

E ai Deus, se verrá cedo!

 

Se vistes meu amado,

por que hei gran cuidado!

E ai Deus, se verrá cedo!

(Martin Codax, CV 884, CBN 1227)

Logo no início da cantiga observamos a presença da natureza  "ondas do mar" e o questionamento do eu lírico ao referido elemento da natureza: pergunta ao mar o paradeiro do seu amado ( amigo). a saudade como tema central,é facilmente identificado: Ao perguntar ao mar sobre o amado, suspira de saudade. O paralelismo também está presente( rimas vigo/amigo, levado/amado. amigo/sospiro, amado/cuidado), assim como o refrão: " E ai Deus, se verrá cedo!" 

                                                                                       Satírica

De escárnio

Veja a cantiga "AI, DONA FEA, FOSTE-VOS QUEIXAR" DE JOAM GARCIA DE GUILHADE"

Ai, dona fea, foste-vos queixar
que vos nunca louvo em meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar;
dona fea, velha e sandia!

dona fea, se Deus mi pardom,
pois avedes atam gram coraçom
que vos eu loe, em esta razom
vos quero ja loar toda via;
e vedes qual sera a loaçom:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei
em meu trobar, pero muito trobei;
mais ora ja um bom cantar farei;
em que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea, velha e sandia!

(...)

A cantiga ridiculariza a dama que queria ser louvada em uma trova, porém não era bela e ao mesmo temposatiriza o louvor à ds damas, característico nas cantigas de amor. Note que a sátira é indireta, pois o nome da dama não é revelado.

De maldizer

Observe a cantiga:  " Roi queimado morreu com amor" de Pero Garcia Burgalês"

Roi Queimado morreu com amor
em seus cantares, par Santa Maria,
por uma dona que gran bem queria;
e, por se meter por mais trobador,
por que lh' ela non quiso bem fazer,
feze-s' el em seus cantares morrer,
mais resurgiu depois, ao tercer dia.

Este fez ele por uma sa senhor
que quer gram bem; e mais vos ém diria:
por que cuida que faz i mestria,
enos cantares que fez, á sabor
de morrer i e des i d' ar viver;
esto faz el, que x' o pode fazer,
mais outr' omem per rem nono faria.

e nom á já de sa morte pavor,
se nom, sa morte mais la temeria,
mais sabe bem, per sa sabedoria,
que viverá, des quando morto for;
e faz-s' em seu cantar morte prender,
des i ar vive: vedes que poder
que lhi Deus deu, - mais queno cuidaria!

E se mi Deus a mi desse poder
qual oj' el á, pois morrer, de viver,
ja mais morte nunca eu temeria.

Nessa cantiga Rui Queimado é acusado por ser um trovador de baixa qualidade,pois  a morte por amor nas cantigas  líricas   já era  considerada clichê e ainda assim ele se achava superior aos outros trovadores. A sátira refere-se a uma cantiga específica   de Rui queimado em que o trovador diz que, pelo amor de sua senhora, havia se arrependido da decisão de querer   morrer em  sua canção anterior. A cantiga segue  ridicularizando o trovador até o fim.

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Exercícios

 

1. (UNESP) Leia e observe com atenção a composição seguinte:

 

"Ay flores, ay flores do verde pinho,

se sabedes novas do meu amigo!

          ay Deus, e hu é1?                        

Ay flores, ay flores do verde ramo,

se sabedes novas do meu amado!

          ay Deus, e hu é?

Se sabedes novas do meu amigo,

aquel que mentiu no que pôs comigo!

          ay Deus, e hu é?

Se sabedes novas do meu amado,

aquel que mentiu no que me há jurado!

          ay Deus, e hu é?”

1 E hu é: onde está

A composição anterior, parcialmente transcrita, pertence à lírica medieval da Península Ibérica. Ela tem autor desconhecido, arte poética própria e características definidas do lirismo trovadoresco, podendo-se ainda descobrir o nome pelo qual composições idênticas são conhecidas.

Em uma das alternativas indicadas acham-se todos os elementos que correspondem a essas afirmações.

a) O autor é Paio Soares de Taveirós. Destacam-se o paralelismo das estrofes, a alternância vocálica e o refrão. O poeta pergunta pelo seu amigo.

b) O autor é Nuno Fernandes Torneol. Destaca-se o refrão como interpelação à natureza. Trata-se de uma cantiga de amigo.

c) O autor é el-rei D.Dinis. Destacam-se o paralelismo das estrofes, a alternância vocálica e o refrão. O poeta canta na voz de uma mulher e pergunta pelo amado, porque é uma cantiga de amigo.

d) O autor é Fernando Pessoa. Destaca-se a alternância vocálica. Trata-se da teoria do fingimento, que já existia no lirismo medieval.

e) O autor é Martim Codax. Destaca-se o ambiente campestre. O poeta espera que os pinheiros respondam à sua pergunta.

2. (UNIFESP)

Senhor feudal

Se Pedro Segundo

Vier aqui

Com história

Eu boto ele na cadeia.

Oswald de Andrade

O título do poema de Oswald remete o leitor à Idade Média. Nele, assim como nas cantigas de amor, a idéia de poder retoma o conceito de

a) fé religiosa.

b) relação de vassalagem. 

c) idealização do amor.

d) saudade de um ente distante.

e) igualdade entre as pessoas.

3. (UNIFESP) Leia a cantiga seguinte, de Joan Garcia de Guilhade.

Un cavalo non comeu

á seis meses nen s’ergueu

mais prougu’a Deus que choveu,

creceu a erva,

e per cabo si paceu,

e já se leva!

Seu dono non lhi buscou

cevada neno ferrou:

mai-lo bon tempo tornou,

creceu a erva,

e paceu, e arriçou,

e já se leva!

Seu dono non lhi quis dar

cevada, neno ferrar;

mais, cabo dum lamaçal

creceu a erva,

e paceu, e arriç’ar,

e já se leva!

(CD Cantigas from the Court of Dom Dinis. harmonia mundi

usa, 1995.)

A leitura permite afirmar que se trata de uma cantiga de

a) escárnio, em que se critica a atitude do dono do cavalo, que dele não cuidara, mas graças ao bom tempo e à chuva, o mato cresceu e o animal pôde recuperar-se sozinho. 

b) amor, em que se mostra o amor de Deus com o cavalo que, abandonado pelo dono, comeu a erva que cresceu graças à chuva e ao bom tempo.

c) escárnio, na qual se conta a divertida história do cavalo que, graças ao bom tempo e à chuva, alimentou-se, recuperou-se e pôde, então, fugir do dono que o maltratava.

d) amigo, em que se mostra que o dono do cavalo não lhe buscou cevada nem o ferrou por causa do mau tempo e da chuva que Deus mandou, mas mesmo assim o cavalo pôde recuperar-se.

e) mal-dizer, satirizando a atitude do dono que ferrou o cavalo, mas esqueceu-se de alimentá-lo, deixando-o entregue à própria sorte para obter alimento.

4. ( MACKENZIE)

Sobre a poesia trovadoresca em Portugal, é INCORRETO afirmar que: 

a) refletiu o pensamento da época, marcada pelo teocentrismo, o feudalismo e valores altamente moralistas.  

b) representou um claro apelo popular à arte, que passou a ser representada por setores mais baixos da sociedade. 

c) pode ser dividida em lírica e satírica.  

d) em boa parte de sua realização, teve influência provençal.  

e) as cantigas de amigo, apesar de escritas por trovadores, expressam o eu-lírico feminino.  

 

5. (MACKENZIE)

Assinale a alternativa INCORRETA a respeito das cantigas de amor. 

a) O ambiente é rural ou familiar. 

b) O trovador assume o eu-lírico masculino: é o homem quem fala.  

c) Têm origem provençal.  

d) Expressam a "coita" amorosa do trovador, por amar uma dama inacessível.  

e) A mulher é um ser superior, normalmente pertencente a uma categoria social mais elevada que a do trovador. 

6. (MACKENZIE)

“Ai dona fea! foste-vos queixar

porque vos nunca louv’em meu trobar

mais ora quero fazer um cantar

em que vos loarei toda via

e vedes como vos quero loar:

dona fea, velha e sandia!”

 

Assinale a informação correta a respeito do trecho de João Garcia de Guilhade:

a) é cantiga satírica 

b) foi o primeiro documento escrito em língua portuguesa (1189)

c) trata-se de cantiga de amigo

d) foi escrita durante o Humanismo (1418-1527)

e) faz parte do Auto da Feira

7. (MACKENZIE/ADAPTADA)

 

Ondas do mar de Vigo,

se vistes meu amigo!

E ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado,

se vistes meu amado!

E ai Deus, se verrá cedo!

 

Martim Codax

Obs.: verrá = virá

levado = agitado

 

Assinale a afirmativa correta sobre o texto.

a) Nessa cantiga de amigo, o eu lírico masculino manifesta a Deus seu sofrimento amoroso.

b) Nessa cantiga de amor, o eu lírico feminino dirige-se a Deus para lamentar a morte do ser amado.

c) Nessa cantiga de amigo, o eu lírico masculino manifesta às ondas do mar sua angústia pela perda do amigo em trágico naufrágio.

d) Nessa cantiga de amor, o eu lírico masculino dirige-se às ondas do mar para expressar sua solidão.

e) Nessa cantiga de amigo, o eu lírico feminino dirige-se às ondas do mar para expressar sua ansiedade com relação à volta do amado. 

 

 

8. (MACKENZIE)

Assinale a afirmativa correta com relação ao Trovadorismo.

a) Um dos temas mais explorados por esse estilo de época é a exaltação do amor sensual entre nobres e mulheres camponesas.

b) Desenvolveu-se especialmente no século XV e refletiu a transição da cultura teocêntrica para a cultura antropocêntrica.

c) Devido ao grande prestígio que teve durante toda a Idade Média, foi recuperado pelos poetas da Renascença, época em que alcançou níveis estéticos insuperáveis.

d) Valorizou recursos formais que tiveram não apenas a função de produzir efeito musical, como também a função de facilitar a memorização, já que as composições eram transmitidas oralmente. 

e) Tanto no plano temático como no plano expressivo, esse estilo de época absorveu a influência dos padrões estéticos greco-romanos.

9. (MACKENZIE/ADAPTADA)

Utilizando como base o texto a seguir, responda à questão.

 

1. Me sinto com a cara no chão, mas a verdade precisa

2 ser dita ao menos uma vez: aos 52 anos eu ignorava

3. a admirável forma lírica da canção paralelística

4. (…).

5. O “Cantar de amor” foi fruto de meses de leitura

6. dos cancioneiros. Li tanto e tão seguidamente aquelas

7. deliciosas cantigas, que fiquei com a cabeça

8. cheia de “velidas” e “mha senhor” e “nula ren”;

9. sonhava com as ondas do mar de Vigo e com romarias

10. a San Servando. O único jeito de me livrar da

11. obsessão era fazer uma cantiga.

 

Manuel Bandeira

 

No texto, o autor.

a) manifesta sua resistência à obrigatoriedade de ler textos medievais durante o período de formação acadêmica.

b) utiliza a expressão cabeça cheia (linha 08) para depreciar as formas linguísticas do galaico-português, como “mha senhor” e “nula ren” (linhas 08 e 09).

c) relata circunstâncias que o levaram a compor um poema que recupera a tradição medieval.

d) emprega a palavra cancioneiros (linha 06) em substituição a “poetas”, uma vez que os textos medievais eram cantados.

e) usa a expressão deliciosas cantigas (linha 07) em sentido irônico, já que os modernistas consideraram medíocres os estilos do passado.

10- (Faap) – Releia com atenção a estrofe:

Fez-se de amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

Tomemos a palavra AMIGO. Todos conhecem o sentido com que esta forma lingüística é usualmente empregada no falar atual. Contudo na Idade Média, como se observa nas catingas medievais, a palavra amigo significou:

a) colega

b) companheiro

c) namorado

d) simpático

e) acolhedor

GABARITO:

 

1- C  / 2- B/ 3- A / 4-B / 5- A/ 6- A / 7 - E / 8 - D / 9 - C / 10 - C

Quinhentismo

Quinhentismo foi a primeira manifestação literária do Brasil, também chamada de literatura de informação.Dessa forma, a Literatura de Informação foi produzida pelos viajantes e pelos jesuítas, a partir de 1500, ou seja, no período do Descobrimento do Brasil e das Grandes navegações,ocorreu ao mesmo tempo que o Classicismo português.

A produção das obras escritas naquele período apresenta um caráter informativo, documentos que descreviam as características do Brasil e eram enviados para a Europa. Entre as publicações daquela época, encontram-se cânticos religiosos, poemas dos jesuítas, textos descritivos, cartas, relatos de viagem e mapas.O primeiro texto escrito no território do Brasil foi a Carta de Pero Vaz de Caminha, em que registra suas impressões sobre a terra recém-descoberta.

Trecho da carta em que Caminha relata sobre os primeiros contatos com os índios:

“Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram. Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.”

Entre os principais documentos do Quinhentismo estão:

1. Carta do descobrimento (Pero Vaz de Caminha): foi escrita no ano de 1500 e publicada pela primeira vez em 1817.

2. Tratado da terra do Brasil (Pero de Magalhães Gândavo): foi escrito por volta de 1570 e impresso pela primeira vez em 1826.

3. História da Província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil (Pero de Magalhães Gândavo): foi editado em 1576.

4. Diálogo sobre a conversão dos gentios (Padre Manuel da Nóbrega): foi escrito em 1557 e impresso em 1880.

5. Tratado descritivo do Brasil (Gabriel Soares de Sousa): escrito em 1587 e impresso por volta de 1839.

Principais características do Quinhentismo:

  • Crônicas de Viagens

  • Textos descritivos e informativos

  • Conquista material e espiritual

  • Linguagem simples

  • Utilização de adjetivo

 

                                                                                                                    Literatura Jesuítica

Os  Jesuítas foram enviados para catequizarem os índios no Brasil e o grande destaque desse período foi o padre José de Anchieta.

Anchieta foi  historiador, gramático, poeta e teatrólogo.Dentre as peças de teatro da época, destaca-se o Auto de São Lourenço, escrita pelo padre José de Anchieta. Nela, o autor conta em três línguas (tupi, português e espanhol) o martírio de são Lourenço, que preferiu morrer queimado a renunciar a fé cristã. O teatro anchietano pressupunha o lúdico, o jogo coreográfico, a cor, o som.

 José de Anchieta também merece destaque na poesia. Além de poemas didáticos, com finalidade de catequizar , também elaborou poemas que apenas revelavam sua necessidade de expressão. Os poemas mais conhecidos de José de Anchieta são: “Do Santíssimo Sacramento” e “A Santa Inês”.

 

 * O Quinhentismo serviu de inspiração literária para alguns poetas e escritores do Romantismo (Gonçalves Dias e José de Alencar) e do Modernismo (Oswald de Andrade)

O poema " A descoberta" de Oswald de Andrade, tem uma relação intertextual com a Carta de Caminha. O poeta a reescreve em forma de poesia de maneira satírica.

A descoberta

Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra
os selvagens
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam por a mão
E depois a tomaram como espantados
primeiro chá
Depois de dançarem
Diogo Dias
Fez o salto real
as meninas da gare
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos nenhuma vergonha

Oswald de Andrade ANDRADE, Oswald. Poesias Reunidas, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

Barroco

Período: Final do séc.XVI e início do séc. XVII

 

O período conhecido como Barroco, ou Seiscentismo, é constituído pelas primeiras manifestações literárias genuinamente brasileiras ocorridas no Brasil Colônia.Foi um período marcado pela crise dos valores Renascentistas, gerando uma nova visão de mundo através de lutas religiosas e dualismos entre espírito e razão.O homem do barroco buscava a salvação ao mesmo tempo que queria usufruir dos prazeres mundanos,daí surgiram os conflitos.É o antropocentrismo (homem) opondo-se ao Teocentrismo (Deus).

  • Características: Frequência das antíteses e paradoxos, fugacidade do tempo e incerteza da vida ,rebuscamento, virtuosismo, ornamentação exagerada, jogo sutil de palavras e ideias, ousadia de metáforas e associações.

  • Cultismo ou Gongorismo: abuso de metáforas, hipérboles e antíteses. Obsessão pela linguagem culta, jogo de palavras.

  • Conceptismo (Quevedo): jogo de ideias, pesquisa e essência íntima.

Barroco no Brasil

Marco inicial: Prosopopéia - poema épico de Bento Teixeira

Contexto histórico: As invasões holandesas no Brasil e época dos bandeirantes

Destacaram-se:

 

Gregório de Matos – apelidado de “A Boca do Inferno”. Oscilou entre o sagrado e o profano.Escreveu poesia lírica,satírica e religiosa.Não publicou nada em vida,o que conhecemos de sua obra é fruto de pesquisas.O apelido é porque o autor retratava a sociedade da época(às vezes, com uma linguagem considerada de baixo calão.)

_ Bento Teixeira:autor de  "Prosopopéia" marco inicial do Barroco brasileiro em 1601.

Pe. Antonio Vieira – Expoente máximo da Literatura Brasileira e da Literatura Portuguesa, pois durante sua estada em Portugal aderiu a temas nacionais portugueses e durante a sua permanência no Brasil, aderiu a temas nacionais brasileiros. Era prosador e não poeta, e conceptista, pois atacou o cultismo. Escreveu sermões, entre eles o  "Sermão da Sexagésima" e o "Sermão de Santo Antônio aos peixes".

 

 

 

PEQUEI, SENHOR....

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
de vossa alta clemência me despido;
porque quanto mais tenho delinqüido,
vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto um pecado,
a abrandar-vos sobeja um só gemido:
que a mesma culpa, que vos há ofendido,
vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma orelha perdida e já cobrada,
glória tal e prazer tão repentino
vos deu, como afirmais na sacra história,

eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
perder na vossa ovelha a vossa glória.

                                                                Gregório de Mattos

Do livro: "Livro dos Sonetos", LP&M Editores, 1996, RS

Prosopopéia

 

Bento Teixera



 

 

Prólogo

Dirigido a Jorge d'Albuquerque Coelho, Capitão e Governador da Capitania de Pernambuco, das partes do Brasil da Nova Lusitânia, etc.

 

Se é verdade o que diz Horácio, que Poetas e Pintores estão no mesmo predicamento; e estes para pintarem perfeitamente uma Imagem, primeiro na lisa távoa fazem rascunho, para depois irem pintando os membros dela extensamente, até realçarem as tintas, e ela ficar na fineza de sua perfeição; assim eu, querendo dibuxar com obstardo pinzel de meu engenho a viva Imagem da vida e feitos memoráveis de vossa mercê, quis primeiro fazer este rascunho, para depois, sendo-me concedido por vossa mercê, ir mui particularmente pintando os membros desta Imagem, se não me faltar a tinta do favor de vossa mercê, a quem peço, humildemente, receba minhas Rimas, por serem as primícias com que tento servi-lo. E porque entendo que as aceitará com aquela benevolência e brandura natural, que costuma, respeitando mais a pureza do ânimo que a vileza do presente, não me fica mais que desejar, se não ver a vida de vossa mercê aumentada e estado prosperado, como todos os seus súditos desejamos.

 

Beija as mãos de vossa mercê: (Bento Teixeira)

 

Seu vassalo.

 

Dirigida a Jorge d'Albuquerque Coelho,Capitão e Governador de Pernambuco, Nova Lusitânia, etc.


Prosopopéia


 

1Cantem Poetas o Poder Romano,

sobmetendo Nações ao jugo duro;

o Mantuano pinte o Rei Troiano,

descendo à confusão do Reino escuro;

que eu canto um Albuquerque soberano,

da Fé, da cara Pátria firme muro,

cujo valor e ser, que o Céu lhe inspira,

pode estancar a Lácia e Grega lira.

 

2As Délficas irmãs chamar não quero,

que tal invocação é vão estudo;

aquele chamo só, de quem espero

a vida que se espera em fim de tudo.

Ele fará meu Verso tão sincero,

quanto fora sem ele tosco e rudo,

que por razão negar não deve o menos

quem deu o mais a míseros terrenos.

 

3E vós, sublime Jorge, em quem se esmalta

a Estirpe d'Albuquerques excelente,

e cujo eco da fama corre e salta

do Carro Glacial à Zona ardente,

suspendei por agora a mente alta

dos casos vários da Olindesa gente,

e vereis vosso irmão e vós supremo

no valor abater Querino e Remo.

 

4Vereis um sinil ânimo arriscado

a trances e conflitos temerosos,

e seu raro valor executado

em corpos Luteranos vigorosos.

Vereis seu Estandarte derribado

aos Católicos pés vitoriosos,

vereis em fim o garbo e alto brio

do famoso Albuquerque vosso Tio.

 

5Mas em quanto Talia no se atreve,

no Mar do valor vosso, abrir entrada,

aspirai com favor a Barca leve

de minha Musa inculta e mal limada.

Invocar vossa graça mais se deve

que toda a dos antigos celebrada,

porque ela me fará que participe

doutro licor melhor que o de Aganipe.

 

6O marchetado Carro do seu Febo

celebre o Sulmonês, com falsa pompa,

e a ruína cantando do mancebo,

com importuna voz, os ares rompa.

Que, posto que do seu licor não bebo,

à fama espero dar tão viva trompa,

que a grandeza de vossos feitos cante,

com som que Ar, Fogo, Mar e Terra espante



 

Narração

 

7A Lâmpada do Sol tinha encoberto,

ao Mundo, sua luz serena e pura,

e a irmã dos três nomes descoberto

a sua tersa e circular figura.

Lá do portal de Dite, sempre aberto,

tinha chegado, com a noite escura,

morfeu, que com sutis e lentos passos

atar vem dos mortais os membros lassos.

 

8Tudo estava quieto e sossegado,

só com as flores Zéfiro brincava,

e da vária fineza namorado,

de quando em quando o respirar firmava

até que sua dor, d'amor tocado,

por entre folha e folha declarava.

As doces Aves nos pendentes ninhos

cubriam com as asas seus filhinhos.

 

9As luzentes Estrelas cintilavam,

e no estanhado Mar resplandeciam,

que, dado que no Céu fixas estavam,

estar no licor salso pareciam.

Este passo os sentidos comparavam

àqueles que d'amor puro viviam,

que, estando de seu centro e fim absentes,

com alma e com vontade estão presentes.

 

10Quando ao longo da praia, cuja area

é de Marinhas aves estampada,

e de encrespadas Conchas mil se arrea,

assim de cor azul, como rosada,

do mar cortando a prateada vea,

vinha Tritão em cola duplicada,

não lhe vi na cabeça casca posta

(como Camões descreve) de Lagosta.

 

11Mas uma Concha lisa e bem lavrada

de rica Madrepérola trazia,

de fino Coral crespo marchetada,

cujo lavor o natural vencia.

Estava nela ao vivo debuxada

a cruel e espantosa bataria,

que deu a temerária e cega gente

aos Deuses do Céu puro e reluzente.

 

12Um Búzio desigual e retrocido

trazia por Trombeta sonorosa,

de Pérolas e Aljôfar guarnecido,

com obra mui sutil e curiosa.

Depois do Mar azul ter dividido,

se sentou numa pedra Cavernosa,

e com as mãos limpando a cabeleira

da turtuosa cola fez cadeira.

 

13Toca a Trombeta com crescido alento,

engrossa as veias, move os elementos,

e, rebramando os ares com o acento,

penetra o vão dos infinitos assentos.

Os Pólos que sustem o firmamento,

abalados dos próprios fundamentos,

fazem tremer a terra e Céu jucundo,

e Netuno gemer no Mar profundo.

 

14O qual vindo da vã concavidade,

em Carro Triunfal, com seu tridente,

traz tão soberba pompa e majestade,

quanta convém a Rei tão excelente.

Vem Oceano, pai de mor idade,

com barba branca, com cerviz tremente:

Vem Glauco, vem Nereu, Deuses Marinhos,

correm ligeiros Focas e Golfinhos.

 

15Vem o velho Proteu, que vaticina

(se fé damos à velha antiguidade)

os males a que a sorte nos destina,

nascidos da mortal temeridade.

Vem numa e noutra forma peregrina,

mudando a natural propriedade.

Não troque a forma, venha confiado,

se não quer de Aristeu ser sojigado.

 

16Tétis, que em ser fermosa se recrea,

traz das Ninfas o coro brando e doce:

Clímene, Efire, Ópis, Panopea,

com Béroe, Talia, Cimodoce;

Drimo, Xanto, Licórias, Deiopea,

Aretusa, Cidipe, Filodoce,

com Eristea, Espio, Semideas,

após as quais, cantando, vem Sereas.


 

Descrição do Recife de Pernambuco

 

17Pela a parte do Sul, onde a pequena

Ursa se vê de guardas rodeada,

onde o Céu luminoso mais serena

tem sua influïção, e temperada;

junto da Nova Lusitânia ordena

a natureza, mãe bem atentada,

um porto tão quieto e tão seguro,

que pela as curvas Naus serve de muro.

 

18É este porto tal, por estar posta

uma cinta de pedra, inculta e viva,

ao longo da soberba e larga costa,

onde quebra Netuno a fúria esquiva.

Entre a praia e pedra descomposta,

o estanhado elemento se diriva

com tanta mansidão, que uma fateixa

basta ter à fatal Argos aneixa.

 

19Em o meio desta obra alpestre e dura,

uma boca rompeu o Mar inchado,

que, na língua dos bárbaros escura,

Pernambuco de todos é chamado

de Para'na, que é Mar; Puca, rotura,

feita com fúria desse Mar salgado,

que, sem no dirivar cometer míngua,

Cova do Mar se chama em nossa língua.

 

20Pela entrada da barra, à parte esquerda,

está uma lajem grande e espaçosa,

que de Piratas fora total perda,

se uma torre tivera sumtuosa.

Mas quem por seus serviços bons não herda

desgosta de fazer cousa lustrosa,

que a condição do Rei que não é franco

o vassalo faz ser nas obras manco.

 

21Sendo os Deuses à lajem já chegados,

estando o vento em calma, o Mar quieto,

depois de estarem todos sossegados,

por mandado do Rei e por decreto,

proteu, no Céu c´os olhos enlevados,

como que invistigava alto secreto,

com voz bem entoada e bom meneio,

ao profundo silêncio larga o freio.



 

Canto de Proteu

 

22«Pelos ares retumbe o grave acento

de minha rouca voz, confusa e lenta,

qual torvão espantoso e violento

de repentina e tórrida tormenta;

ao Rio de Aqueronte turbulento,

que em sulfúreas burbulhas arrebenta,

passe com tal vigor, que imprima espanto

em Minos riguroso e Radamanto.

 

23De lanças e d'escudos encantados

não tratarei em numerosa Rima,

mais de Barões Ilustres afamados,

mais que quantos a Musa não sublima.

Seus heróicos feitos extremados

afinarão a dissoante prima,

que não é muito tão gentil sujeito

suplir com seus quilates meu defeito.

 

24Não quero no meu Canto alguma ajuda

das nove moradoras de Parnaso,

nem matéria tão alta quer que aluda

nada ao essencial deste meu caso.

Porque, dado que a forma se me muda,

em falar a verdade serei raso,

que assim convém fazê-lo quem escreve,

se à justiça quer dar o que se deve.

 

25A fama dos antigos co´a moderna

fica perdendo o preço sublimado:

A façanha cruel, que a turva Lerna

espanta com estrondo d'arco armado:

O cão de três gargantas, que na eterna

confusão infernal está fechado,

não louve o braço de Hércules Tebano.

Pois procede Albuquerque soberano.

 

26Vejo (diz o bom velho) que, na mente,

o tempo de Saturno renovado,

e a opulenta Olinda florescente

chegar ao cume do supremo estado.

Será de fera e belicosa gente

o seu largo destrito povoado;

por nome terá Nova Lusitânia,

das Leis isenta da fatal insânia.

 

27As rédeas terá desta Lusitânia

o grão Duarte, valoroso e claro,

Coelho por cognome, que a insânia

reprimirá dos seus, com saber raro.

Outro Troiano Pio, que em Dardânia

os Penates livrou e o padre caro;

um Públio Cipião, na continência;

outro Nestor e Fábio, na prudência.

 

28O braço invicto vejo com que amansa

a dura cerviz bárbara insolente,

instruindo na Fé, dando esperança

do bem que sempre dura e é presente;

eu vejo c`o rigor da tesa lança

acossar o Francês, impaciente

de lhe ver alcançar uma vitória

tão capaz e tão digna de memória.

 

29Ter o varão Ilustre da consorte,

dona Beatriz, preclara e excelente,

dois filhos, de valor e d'alta sorte.

Cada qual a seu Tronco respondente.

estes se isentarão da cruel sorte,

eclipsando o nome à Romana gente,

de modo que esquecida a fama velha

façam arcar ao mundo a sobrancelha.

 

30O Princípio de sua Primavera

gastarão seu destrito dilatando,

os bárbaros cruéis e gente Austera,

com meio singular, domesticando.

E primeiro que a espada lisa e fera

arranquem, com mil meios d'amor brando,

pretenderão tirá-la de seu erro,

e senão porão tudo a fogo e ferro.

 

31Os braços vigorosos e constantes

fenderão peitos, abrirão costados,

deixando de mil membros palpitantes

caminhos, arraiais, campos juncados;

cercas soberbas, fortes repugnantes

serão dos novos Martes arrasados,

sem ficar deles todos mais memória

que a qu'eu fazendo vou em esta História.

 

32Quais dois soberbos Rios espumosos,

que, de montes altíssimos manando,

em Tétis de meter-se desejosos,

vem com fúria crescida murmurando,

e nas partes que passam furiosos

vem árvores e troncos arrancando,

tal Jorge d'Albuquerque e o grão Duarte

farão destruição em toda a parte.

 

33Aquele branco Cisne venerando,

que nova fama quer o Céu que merque,

e me está com seus feitos provocando,

que dele cante e sobre ele alterque;

aquele que na Idea estou pintando,

Hierônimo sublime d'Albuquerque

se diz, cuja invenção, cujo artifício

aos bárbaros dar total exício.

 

34Deste, como de Tronco florescente,

nascerão muitos ramos, que esperança

Prometerão a todos geralmente

de nos berços do Sol pregar a lança.

Mas, quando virem que do Rei potente

o pai por seus serviços não alcança

o galardão devido e glória digna,

Ficarão nos alpendres da Piscina.

 

35Ó sorte tão cruel, como mudável,

por que usurpas aos bons o seu direito?

Escolhes sempre o mais abominável,

reprovas e abominas o perfeito,

o menos digno fazes agradável,

o agradável mais, menos aceito.

Ó frágil, inconstante, quebradiça,

roubadora dos bens e da justiça!

 

36Não tens poder algum, se houver prudência;

não tens Império algum, nem Majestade;

mas a mortal cigueira e a demência

co título te honrou de Deïdade.

O sábio tem domínio na influência

celeste e na potência da vontade,

e se o fim não alcança desejado,

é por não ser o meio acomodado.

 

37Este meio faltará ao velho invicto,

mas não cometerá nenhum defeito,

que o seu qualificado e alto esprito

lhe fará a quanto deve ter respeito.

Aqui Balisário, e Pacheco aflito,

cerra com ele o número perfeito.

Sobre os três, uma dúvida se excita:

qual foi mais, se o esforço, se a desdita?

 

38Foi o filho de Anquises, foi Acates,

à região do Caos litigioso,

com ramo d'ouro fino e de quilates,

chegando ao campo Elíseo deleitoso.

Quão mal, por falta deste, a muitos trates

(ó sorte!) neste tempo trabalhoso,

bem claro no-lo mostra a experiência

em poder mais que a justiça a aderência.

 

39Mas deixando (dizia) ao tempo avaro

cousas que Deus eterno e ele cura,

e tornando ao Preságio novo e raro,

que na parte mental se me figura,

de Jorge d'Albuquerque, forte e claro,

a despeito direi da inveja pura,

pela o qual monta pouco a culta Musa,

que Meónio em louvar Aquiles usa.

 

40Bem sei que, se seus feitos não sublimo,

é roubo que 1he faço mui notável;

se o faço como devo, sei que imprimo

escândalo no vulgo variável.

Mas o dente de Zoilo, nem Minimo,

estimo muito pouco, que agradável

é impossível ser nenhum que canta

proezas de valor e glória tanta.

 

41Uma cousa me faz dificuldade

e o esprito profético me cansa,

a qual é ter no vulgo autoridade

só aquilo a que sua força alcança.

Mas, se é um caso raro, ou novidade

das que, de tempo em tempo, o tempo lança,

tal crédito lhe dão, que me lastima

ver a verdade o pouco que se estima.»

 

42E prosseguindo diz: «que Sol luzente

vem d'ouro as brancas nuvens perfilando,

que está com braço indômito e valente

a fama dos antigos eclipsando;

em quem o esforço todo juntamente

se está como em seu centro tresladando?

É Jorge d'Albuquerque mais invicto

que o que desceu ao Reino de Cocito.

 

43Depois de ter o Bárbaro difuso

e roto, as portas fechará de Jano,

por vir ao Reino do valente Luso

e tentar a fortuna do Oceano.»

Um pouco aqui Proteu, como confuso,

estava receando o grave dano,

que havia de acrescer ao claro Herói

no Reino aonde vive Cimotoe.

 

44«Sei mui certo do fado (prosseguia)

que trará o Lusitano por designo

escurecer o esforço e valentia

do braço Assírio, Grego e do Latino.

Mas este pressuposto e fantasia

lhe tirará de inveja o seu destino,

que conjurando com os Elementos

abalará do Mar os fundamentos.

 

45Porque Lémnio cruel, de quem descende

a Bárbara progênie e insolência,

vendo que o Albuquerque tanto ofende

gente que dele tem a descendência,

com mil meios ilícitos pretende

fazer irreparável resistência

ao claro Jorge, baroil e forte,

em quem não dominava a vária sorte.

 

46Na parte mais secreta da memória,

terá mui escrita. impressa e estampada

aquela triste e maranhada História,

com Marte, sobre Vênus celebrada.

Verá que seu primor e clara glória

há de ficar em Lete sepultada,

se o braço Português vitória alcança

da nação que tem nele confiança.

 

47E com rosto cruel e furibundo,

dos encovados olhos cintilando,

férvido, impaciente, pelo mundo

andará estas palavras derramando»:

-Pôde Nictélio só no Mar profundo

sorver as Naus Meónias navegando,

não sendo mor Senhor, nem mais possante

nem filho mais mimoso do Tonante?

 

48E pôde Juno andar tantos enganos,

sem razão, contra Tróia maquinando,

e fazer que o Rei justo dos Troianos

andasse tanto tempo o Mar sulcando?

E que vindo no cabo de dez anos,

de Cila e de Caríbdis escapando,

chegasse à desejada e nova terra,

e c'o Latino Rei tivesse guerra?

 

49E pôde Palas subverter no Ponto

o filho de Oileu por causa leve?

Tentar outros casos que não conto

por me não dar lugar o tempo breve?

E que eu por mil razões, que não aponto,

a quem do fado a lei render se deve,

do que tenho tentado já desista,

e a gente Lusitana me resista?

 

50Eu por ventura sou Deus indigete,

nascido da progênie dos humanos,

ou não entro no número dos sete,

celestes, imortais e soberanos?

A quarta Esfera a mim não se comete?

Não tenho em meu poder os Centimanos?

Jove não tem o Céu? O Mar, Tridente?

Plutão, o Reino da danada gente?

 

51Em preço, ser, valor, ou em nobreza,

qual dos supremos é mais qu'eu altivo?

Se Netuno do Mar tem a braveza,

eu tenho a região do fogo ativo.

Se Dite aflige as almas com crueza,

e vós, Ciclopes três, com fogo vivo,

se os raios vibra Jove, irado e fero,

eu na forja do monte lhos tempero.

 

52E com ser de tão alta Majestade,

não me sabem guardar nenhum respeito?

E um povo tão pequeno em quantidade

tantas batalhas vence a meu despeito?

E que seja agressor de tal maldade

o adúltero lascivo do meu leito?

Não sabe que meu ser ao seu precede,

e que prendê-lo posso noutra rede?

 

53Mas seu intento não porá no fito,

por mais que contra mim o Céu conjure,

que tudo tem em fim termo finito,

e o tempo não há cousa que não cure.

Moverei de Netuno o grão distrito

para que meu partido mais segure,

e quero ver no fim desta jornada

se val a Marte escudo, lança, espada.

 

54«Estas palavras tais, do cruel peito,

soltará dos Ciclopes o tirano,

as quais procurará pôr em efeito,

às cavernas descendo do Oceano.

E com mostras d'amor brando e aceito,

de ti, Netuno claro e soberano,

alcançará seu fim: o novo jogo,

entrar no Reino d'Água o Rei do fogo.

 

55Logo da Pátria Eólia virão ventos,

todos como esquadrão mui bem formado,

euro, Noto os Marítimos assentos

terão com seu furor demasiado.

Fará natura vários movimentos,

o seu Caos repetindo já passado,

de sorte que os varões fortes e válidos

de medo mostrarão os rostos pálidos.

 

56Se Jorge d'Albuquerque soberano,

com peito juvenil, nunca domado,

vencerá da Fortuna e Mar insano

a braveza e rigor inopinado,

mil vezes o Argonauta desumano,

da sede e cruel fome estimulado,

urdirá aos consortes morte dura,

para dar-lhes no ventre sepultura.

 

57E vendo o Capitão qualificado

mpresa tão cruel e tão inica,

per meio mui secreto, acomodado,

dela como convém se certifica.

E, duma graça natural ornado,

os peitos alterados edifica,

vencendo, com Tuliana eloqüência,

do modo que direi, tanta demência.»

 

58-Companheiros leais, a quem no Coro

das Musas tem a fama entronizado,

não deveis ignorar, que não ignoro,

os trabalhos que haveis no Mar passado.

Respondestes 'te 'gora com o foro,

devido a nosso Luso celebrado,

mostrando-vos mais firmes contra a sorte

do que ela contra nós se mostra forte.

 

59Vós de Cila e Caríbdis escapando,

de mil baixos e sirtes arenosas,

vindes num lenho côncavo cortando

as inquietas ondas espumosas.

Da fome e da sede o rigor passando,

e outras faltas em fim dificultosas,

convém-vos aquirir uma força nova,

que o fim as cousas examina e prova.

 

60Olhai o grande gozo e doce glória

que tereis quando, postos em descanso,

contardes esta larga e triste história,

junto do pátrio lar, seguro e manso.

Que vai da batalha a ter vitória,

o que do Mar inchado a um remanso,

isso então haverá de vosso estado

aos males que tiverdes já passado.

 

61Por perigos cruéis, por casos vários,

hemos d'entrar no porto Lusitano,

e suposto que temos mil contrários

que se parcialidam com Vulcano,

de nossa parte os meios ordinários

não faltem, que não falta o Soberano,

poupai-vos para a próspera fortuna,

e, adversa, não temais por importuna.

 

62Os heróicos feitos dos antigos

tende vivos e impressos na memória:

ali vereis esforço nos perigos,

ali ordem na paz, digna de glória.

Ali, com dura morte de inimigos,

feita imortal a vida transitória,

ali, no mor quilate de fineza,

vereis aposentada a Fortaleza.

 

63Agora escurecer quereis o raio

destes Barões tão claros e eminentes,

tentando dar princípio e dar ensaio

a cousas temerárias e indecentes.

Imprimem neste peito tal desmaio

tão graves e terríveis acidentes

que a dor crescida as forças me quebranta,

e se pega a voz débil à garganta.

 

64De que servem proezas e façanhas,

e tentar o rigor da sorte dura?

Que aproveita correr terras estranhas,

pois faz um torpe fim a fama escura?

Que mais torpe que ver umas entranhas

humanas dar a humanos sepultura,

coisa que a natureza e lei impede,

e escassamente às Feras só concede.

 

65Mas primeiro crerei que houve Gigantes

de cem mãos, e da Mãe Terra gerados,

e Quimeras ardentes e flamantes,

com outros feros monstros encantados;

primeiro que de peitos tão constantes

veja sair efeitos reprovados,

que não podem (falando simplesmente)

nascer trevas da luz resplandecente.

 

66E se determinais a cega fúria

executar de tão feroz intento,

a mim fazei o mal, a mim a injúria,

fiquem livres os mais de tal tormento.

Mas o Senhor que assiste na alta Cúria

um mal atalhará tão violento,

dando-nos brando Mar, vento galerno,

com que vamos no Minho entrar paterno.

 

67«Tais palavras do peito seu magnânimo

lançará o Albuquerque famosíssimo,

do soldado remisso e pusilânimo,

fazendo com tal prática fortíssimo.

E assim todos concordes, e num ânimo,

vencerão o furor do Mar bravíssimo,

até que já a Fortuna, d'enfadada,

chegar os deixe a Pátria desejada.

 

68À Cidade de Ulisses destroçados

chegarão da Fortuna e Reino salso,

os Templos visitando Consagrados,

em procissão, e cada qual descalço.

Desta maneira ficarão frustrados

os pensamentos vãos de Lémnio falso,

que o mau tirar não pode o benefício

que ao bom tem prometido o Céu propício.

 

69Neste tempo Sebasto Lusitano,

rei que domina as águas do grão Douro,

ao Reino passará do Mauritano,

e a lança tingirá em sangue Mouro;

o famoso Albuquerque, mais ufano

que Iason na conquista do veo d'ouro,

e seu Irmão, Duarte valeroso,

irão c`o Rei altivo, Imperioso.

 

70Numa Nau, mais que Pístris, e Centauro,

e que Argos venturosa celebrada,

partirão a ganhar o verde Lauro

à região da secta reprovada.

E depois de chegar ao Reino Mauro,

os dois irmãos, com lança e com espada,

farão nos Agarenos mais estrago

do que em Romanos fez o de Cartago.

 

71Mas, ah! ínvida sorte, quão incertos

são teus bens e quão certas as mudanças;

quão brevemente cortas os enxertos

a umas mal nascidas esperanças.

Nos mais riscosos trances, nos apertos,

entre mortais pelouros, Entre lanças,

prometes triunfal palma e vitória,

para tirar no fim a fama, a glória.

 

72Assim sucederá nesta batalha

ao mal afortunado Rei ufano,

a quem não valerá provada malha,

nem escudo d'obreiros de Vulcano.

Porque no tempo que ele mais trabalha

Vitória conseguir do Mauritano,

num momento se vê cego e confuso,

e com seu esquadrão roto e difuso».

 

73Anteparou aqui Proteu, mudando

as cores e figura monstruosa,

no gesto e movimento seu mostrando

ser o que há de dizer coisa espantosa.

E com nova eficácia começando

a soltar a voz alta e vigorosa,

estas palavras tais tira do peito,

que é cofre de profético conceito:

 

74«Entre armas desiguais, entre tambores

de som confuso, rouco e redobrado,

entre cavalos bravos corredores,

entre a fúria do pó, que é salitrado;

entre sanha, furor, entre clamores,

entre tumulto cego e desmandado,

entre nuvens de setas Mauritanas,

andará o Rei das gentes Lusitanas.

 

75No animal de Netuno, já cansado

do prolixo combate, e mal ferido,

será visto por Jorge sublimado,

andando quase fora de sentido.

O que vendo o grande Albuquerque ousado,

de tão trágico passo condoído,

ao peito fogo dando, aos olhos água,

tais palavras dirá, tintas em magoa»:

 

76-Tão infelice Rei, como esforçado,

com lágrimas de tantos tão pedido,

com lágrimas de tantos alcançado,

com lágrimas do Reino, em fim perdido.

Vejo-vos c'o cavalo já cansado,

a vós, nunca cansado, mas ferido,

salvai em este meu a vossa vida,

que a minha pouco vai em ser perdida.

 

77Em vós do Luso Reino a confiança

estriba, como em base só, fortíssimo;

com vós ficardes vivo, segurança

lhe resta de ser sempre florentíssimo.

Entre duros farpões e Maura lança,

deixai este vassalo fidelíssimo,

que ele fará por vós mais que Zopiro

por Dario, até dar final suspiro.

 

78«Assim dirá o Herói, e com destreza

deixará o genete velocíssimo,

e a seu Rei o dará: Ó Portuguesa

lealdade do tempo florentíssimo!

O Rei Promete, se de tal empresa

sai vivo, o fará senhor grandíssimo,

mas 'te nisto lhe será avara a sorte,

pois tudo cubrirá com sombra a morte.

 

79Com lágrimas d'amor e de brandura,

de seu Senhor querido ali se espede,

e que a vida importante e mal segura

assegurasse bem, muito lhe pede,

torna à batalha sanguinosa e dura,

o esquadrão rompe dos de Mafamede,

lastima, fere, corta, fende, mata,

decepa, apouca, assola, desbarata.

 

80Com força não domada e alto brio,

em sangue Mouro todo já banhado,

do seu vendo correr um caudal Rio,

de giolhos se pôs, debilitado.

Ali dando a mortais golpes desvio,

de feridas medonhas trespassado,

será cativo, e da proterva gente

maniatado em fim mui cruelmente.

 

81Mas adonde me leva o pensamento?

Bem parece que sou caduco e velho,

pois sepulto no Mar do esquecimento

a Duarte sem par, dito Coelho.

Aqui mister havia um novo alento

do Poder Divinal e alto Conselho,

porque não hai quem feitos tais presuma

a termo reduzir e breve suma.

 

82Mas se o Céu transparente e alta Cúria

me for tão favorável, como espero,

com voz sonora, com crescida fúria,

hei de cantar Duarte e Jorge fero.

Quero livrar do tempo e sua injúria

estes claros Irmãos, que tanto quero,

mas, tornando outra vez a triste História,

um caso direi digno de memória.

 

83Andava o novo Marte destruindo

os esquadrões soberbos Mauritanos,

quando sem tino algum viu ir fugindo

os tímedos e lassos Lusitanos.

o que de Pura mágoa não sufrindo

lhe diz»; -Donde vos is, homens insanos?

Que digo: homens, estátuas sem sentido,

pois não sentis o bem que haveis perdido?

 

84Olhai aquele esforço antigo e puro

dos ínclitos e fortes Lusitanos,

da Pátria e liberdade um firme muro

verdugo de arrogantes Mauritanos;

exemplo singular para o futuro

ditado, e resplandor de nossos anos,

subjeito mui capaz, matéria digna

da Mantuana e Homérica Buzina.

 

85Ponde isto por espelho, por treslado,

nesta tão temerária e nova empresa.

nele vereis que tendes já manchado

de vossa descendência a fortaleza.

À batalha tornai com peito ousado,

militai sem receio, nem fraqueza,

olhai que o torpe medo é Crocodilo

que costuma, a quem foge, persegui-lo.

 

86E se o dito a tornar vos não compele,

vede donde deixais o Rei sublime?

Que conta haveis de dar ao Reino dele?

Que desculpa terá, tão grave crime?

Quem haverá que por traição não sele

um mal que tanto mal no mundo imprime?

Tornai, tornai, invictos Portugueses,

cerceai malhas e fendei arneses.

 

87«Assim dirá: mas eles sem respeito

à honra e ser de seus antepassados

com pálido temor no frio peito,

irão por várias partes derramados.

Duarte, vendo neles tal defeito,

lhe dirá»: -Corações efeminados,

lá contareis aos vivos o que vistes,

porque eu direi aos mortos que fugistes.

 

88«Neste passo carrega a Maura força

sobre o Barão insigne e velicoso;

ele, onde vê mais força, ali se esforça,

mostrando-se no fim mais animoso.

Mas o fado, que quer que a razão torça.

o caminho mais reto e proveitoso,

fará que num momento abreviado

seja cativo, preso e mal tratado.

 

89Eis ambos os irmãos em cativeiro.

de peitos tão protervos e obstinados,

por cópia inumerável de dinheiro

serão (segundo vejo) resgatados.

Mas o resgate e preço verdadeiro,

por quem os homens foram libertados,

chamará neste tempo o grão Duarte,

para no claro Olimpo lhe dar parte.

 

90Ó Alma tão ditosa como pura,

parte a gozar dos dotes dessa glória,

donde terás a vida tão segura,

quanto tem de mudança a transitória!

Goza lá dessa luz que sempre dura;

no mundo gozarás da larga história,

ficando no lustroso e rico Templo

da Ninfa Gigantea por exemplo.

 

91Mas, enquanto te dão a sepultura,

contemplo a tua Olinda celebrada,

coberta de fúnebre vestidura,

inculta, sem feição, descabelada.

Quero-a deixar chorar morte tão dura

'té que seja de Jorge consolada,

que por ti na Ulissea fica em pranto,

em quanto me disponho a novo Canto.

 

92Não mais, esprito meu, que estou cansado,

deste difuso, largo e triste Canto,

que o mais será de mim depois cantado

por tal modo, que cause ao mundo espanto.

Já no balcão do Céu o seu toucado

solta Vênus, mostrando o rosto Sancto;

eu tenho respondido c`o mandado

que mandaste Netuno sublimado».

 

93Assim diz; e com alta Majestade

o Rei do Salso Reino, ali falando,

diz: -Em satisfação da tempestade

que mandei a Albuquerque venerando,

pretendo que a mortal posteridade

com Hinos o ande sempre sublimando,

quando vir que por ti o foi primeiro,

com fatídico esprito verdadeiro.



 

Epílogo

 

94Aqui deu [fim] a tudo, e brevemente

entra no Carro [de] Cristal lustroso;

após dele a demais Cerúlea gente

cortando a veia vai do Reino acoso.

Eu que a tal espetáculo presente

estive, quis em Verso numeroso

escrevê-lo por ver que assim convinha

para mais perfeição da Musa minha.


 
 
FIM
 
 

Soneto per ecos, ao mesmo Senhor Jorge d'Albuquerque Coelho

 

Gran Jorge, por su ser llamado -Amado,

querer mi Verso celebrarte, -Arte

ni cuanto el Cielo acá reparte, -Parte

menor, dirán, de tu sagrado -Grado;

 

por lo que has con valor sobrado -Obrado, 5

se ocupa siempre en sublimarte -Marte,

y para en algo acomodarte, -Darte

quiso tan alto y recuestado -Estado;

 

tu eres la gloria y la columna, -Luna

de Lusitania y refulgente -Gente, 10

por quien llamarse venturosa -Osa;

 

y el Cielo que tal don consiente, -Siente

que te dio por suerte oportuna -Una

señora excelsa y grandiosa -Diosa.

Sermão da Sexágésima (1655)

O sermão, dividido em dez partes, é conhecido por tratar da arte de pregar. Nele, Padre Antônio Vieira condena aqueles que apenas pregam a palavra de Deus de maneira vazia. Para ele, a palavra de Deus era como uma semente, que deveria ser semeada pelo pregador. Por fim, o padre chega à conclusão de que, se a palavra de Deus não dá frutos no plano terrreno a culpa é única e exclusivamente dos pregadores que não cumprem direito a sua função. Leia um trecho do sermão:

Ecce exiit qui seminat, seminare. Diz Cristo que "saiu o pregador evangélico a semear" a palavra divina. Bem parece este texto dos livros de Deus ão só faz menção do semear, mas também faz caso do sair: Exiit, porque no dia da messe hão-nos de medir a semeadura e hão-nos de contar os passos. (...) Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair. Os que saem a semear são os que vão pregar à Índia, à China, ao Japão; os que semeiam sem sair, são os que se contentam com pregar na Pátria. Todos terão sua razão, mas tudo tem sua conta. Aos que têm a seara em casa, pagar-lhes-ão a semeadura; aos que vão buscar a seara tão longe, hão-lhes de medir a semeadura e hão-lhes de contar os passos. Ah Dia do Juízo! Ah pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais paço; os de lá, com mais passos: Exiit seminare. (...) Ora, suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender a falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus? (...)

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